quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O beija-flor e a borboleta

       Onde conseguirei achar as minhas asas? Perguntou a pequenina lagarta ao beija-flor. O beija-flor olhou para a pequena lagarta que exteriorizava uma profunda melancolia e um olhar tão triste, que era como se o mundo tivesse sido bastante cruel com ela ao fazê-la prisioneira da superfície.
           
       O beija-flor sorriu e disse:
- Não fica triste minha pequenina. Aprenda que de todas as coisas podemos tirar grandes lições. Mesmo das pequenas. Minhas asas me foram dadas por meus pais assim que nasci, mas eu não nasci sabendo voar. O chão, as árvores e as pedras me ensinaram muita coisa e através deles é que pude conhecer o que está acima deles. Quem irá dar as suas asas será o tempo. Você será uma magnífica borboleta, e com suas cores e sua vida, assim como eu, trará alegria para muitas flores. Somos abençoados, minha pequenina. O sentido das nossas vidas aqui neste mundo, é o que dá sentido a muitas outras.

     Ao ouvir estas palavras, a lagarta mudou de sua misantropia, para um estado de extrema alegria. Ela conseguiu enxergar um outro mundo por detrás do seu. Ela passou ver as coisas como são e não como ela queria que fosse. Mais difícil que aceitar o seu nicho é aceitar a si próprio, e ser quem você realmente é, é então mais difícil ainda. Pensou a lagarta.
    O tempo passou e o que era uma lagarta, já era uma linda e imponente borboleta, que podia voar pelos céus e levando consigo as cores do arco-íris em um caleidoscópio de tons vibrantes, do qual, os animais paravam para admirar sua beleza e o vento fazia as flores se curvarem para que assim pudessem saudá-la quando pousava.
    -Esta é a maneira que tenho de retribuir a superfície, por tudo que fizeram por mim, com o que aprendi, e por tudo que tive de superar para que pudesse chegar onde estou. Nas alturas. A montanha pode ser alta, mas não podemos esquecer-nos de onde se encontra a sua base. Disse a agora sábia borboleta. 

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pequena criaturinha

   Certo dia estava eu andando pensativo pelas ruas do centro de minha cidade, quando ao adentrar em uma delas, pude ter uma visão seguido de um lampejo da minha consciência, da qual me fez parar e ficar a contemplá-la.
              Eu vi um cachorro ainda filhote deitado no chão, com um olhar fixo para quem entrava naquela rua pelo lado do sol poente. Não era qualquer coisa que podia ser observada naqueles doces e frágeis olhos castanhos claros. Você poderia ver algo como uma inocência irredutível, um brilho de esperança, embora eu não soubesse em que, mas observava-se muito facilmente essa luz estelar neste pequenino céu peludo.
              Na verdade, percebi que o olhar não era especificamente para a rua ou para quem nela entrava. Era mais profundo. Era um olhar que queria sobrepor distâncias, atravessar barreiras intransponíveis, que buscava ver um mundo que jamais nem eu e nem muito menos qualquer outro “humano” jamais conseguiu ver. “Um mundo dentro de outro mundo”. Isso é algo mais poético do que a maioria de nós vemos: “nosso mundo dentro de outro mundo”. Sim, realmente você me fez pensar, pequenina criatura. Obrigado.
              Como pude aprender tanto com um pequenino animal? Como poderei eu afirmar que aprendi algo com um ser demasiado irracional pela grande maioria de nós? Na verdade, acho que somos mais irracionais por sempre querer ver o mundo da maneira como queremos. E como ele realmente é? Como posso percebê-lo realmente como o é sem que seja por meus sentidos de certo modo imperfeitos?
             Não sei, mas percebi que esta criaturinha com o seu olhar me atingiu mais profundo do que qualquer palavra. Neste momento, o meu comportamento foi de uma profunda euforia agregada a um puro e imenso agradecimento.
            Resolvi me aproximar do animalzinho e acariciar-lhe, mas que estranho esse olhar tão fixo! Porque ele não demonstra nenhuma reação?
            Percebi seu corpo enrijecido e estático. Fechei os olhos e respirei fundo. Não só parece, como também é estranho. Aprendemos muito com a vida, mas ainda muito mais com a morte.                                                                                                                                                                                             

domingo, 21 de novembro de 2010

A serpente e o pássaro

Certo dia o pássaro perguntou a serpente como ela conseguia suportar estar sempre andando abaixo dos outros animais, rastejando por todos os lados e sujeitando-se a ser pisada? A serpente com um sorriso malicioso, respondeu que não era necessário que ninguém a visse para que ela pudesse ser percebida, mas que bastava que a tocassem e assim tudo mudaria.
 Como podes ter coragem de fazer algo a qualquer ser neste mundo se todos nós somos ramificações de um mesmo ponto em comum no decorrer de épocas imemoráveis? Perguntou o pássaro com espanto.
Ao apertar os olhos e direcionar o olhar incisivamente para o pássaro ela disse: - Então me achas covarde por garantir minha integridade e ascendência nesse mundo que tanto defendes que seja de todos? Como sois patético e hipócrita, ou um grande inocente e cego! Eu sou assim, ataco se ofendida, rastejo para enganar meus inimigos e demonstrar impotência, mas diante deles eu me elevo ao ser desafiada. E ao contrario de você, não preciso usar os céus como refugio, quando se sabe que aqui na terra firme esta a sua verdadeira casa. Ou será que estou errada em relação ao seu ninho?

O poeta e o andarilho

- Tenho percebido que estais sempre a observar o horizonte todos os dias por longas e intermitentes horas sentado sob esta pedra. O que estais a procurar com esses olhos errantes nesta realidade demasiadamente incerta? Perguntou a Andarilho ao Poeta.

O Poeta respondeu:         
- Estou cansado de ser um humano. Esse cansaço se reflete na minha poesia. À medida que escrevo, sinto o quão longe ela vai, atingindo uma tão vasta distância, que me sinto bem ao ver que nunca sou o mesmo a cada poema criado. Por isso, cada vez que olho para mim mesmo, e percebo o que sou, sinto uma profunda tristeza por me ver como uma criatura presa a superfície e limitado por seu ego facilmente despedaçado.
- Como alguém tão sábio como você conseguiria não ser mais um humano? Pretende abdicar de sua própria existência? Confuso, o Andarilho pergunta ao Poeta com os ouvidos bastante apurados para achar sem dificuldade alguma, o real entendimento de sua resposta.
- Eu gostaria de abrir as minhas asas como fazem os pássaros para atingir os céus e acariciar o ar com cada bater de cada uma delas; eu gostaria possuir fortes braços para que pudesse agarrar os meus sonhos e nunca mais solta-los da mesma maneira como o escorpião ao segurar a sua presa; de poder possuir a fidelidade e o amor desinteressado por todas as coisas de valor único, da mesma forma que um cão ao seu dono; de possuir o desapego dos gatos para evitar o sofrimento, mas a docilidade da preguiça ao se prender em locais firmes e seguros; quero poder ver a beleza das flores em sua maneira mais pura assim como as abelhas, mas também gritar para a lua que embora longe, sinto que ela faz parte de mim ao iluminar meu caminho durante a noite para que eu nunca perda o meu propósito, assim como fazem os lobos. Sei que é tolice abdicar da minha vida, mas sinto-me melhor à medida que nego para mim mesmo, a minha humanidade.
-Escutei tudo que ma falaste em alto e bom tom. Mas ainda que queira ser como me dissestes anteriormente, algo você nunca poderá mudar. A sua natureza! Afinal, somos o que dizemos pra si mesmo, mas não podemos fugir daquilo que está conosco desde o nascimento, e que nos seguirá até o nosso túmulo. À medida que nega querer ser um humano, mais humano se tonas. Afinal, é da nossa natureza nunca estarmos satisfeitos com o que somos. Da mesma maneira que o é a todas as criaturas. Veja bem, é belo ver um pássaro ganhar o céu com suas asas, mas algo nele o prende a superfície. Algo que você tanto teme. Cansada de ser uma lagarta, a figura de uma borboleta vem posteriormente. O que seria da lua, se somente o sol dominasse o firmamento? Acredito que deveis olhar um pouco mais pra dentro de si e procurar achar a si mesmo, como o jovem Arthur ao achar a espada fincada numa pedra que o fez abrir seu coração e o fez ser um grande e nobre Rei. Disse o Andarilho.